sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

E assim era antigamente...

    Durante séculos, o Brasil ficou sob forte influência da Igreja Católica, refletindo nos costumes, comportamentos e inclusive na arquitetura. Tudo girava em torno do catolicismo, atingindo praticamente todo o território nacional, não ficando de fora, é claro, o bairro de Campo Grande. O próprio surgimento do bairro é vinculado à criação da capela do Desterro, ainda em terras do atual bairro de Bangu, mais tarde "transferida" para as terras do atual Campo Grande. Daí criou-se a Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande, hoje resumida à uma Paróquia localizada no centro do bairro.
    O vínculo entre a Igreja Romana e o Estado brasileiro foi quebrado com o fim do Império e a Proclamação da República em 1889, quando o catolicismo deixou de ser a religião oficial do Brasil, ficando instituído um Estado laico.
    Porém, mesmo após o fim desse elo, a influência católica ficaria relevante por muitas décadas seguintes, marcando as tradicionais festas de igrejas que se estendiam para as ruas próximas aos templos, atraindo multidões, como a festa da Curva, da capela de Santo Antônio, na Avenida Cesário de Melo, a festa de Sant'Ana, na Estrada do Mendanha, entre outras, além de ditar outros aspectos na vida da população não só de Campo Grande, mas de todo o Brasil, como por exemplo boa parte dos feriados ainda sendo católicos; com Nossa Senhora Aparecida sendo a Padroeira do Brasil; nomes de lugares vinculados aos santos, entre outros.
    Um outro ponto importante da marca do catolicismo ficou estampado nas residências. Era muito comum em bairros do subúrbio ou em áreas rurais, afastadas do centro, como Campo Grande, as casas possuírem, principalmente na parte da frente, uma imagem de um santo católico ou de Nossa Senhora exposta na parede, geralmente feita de azulejo ou algum material parecido, numa mistura de ostentação, tradição, respeito e reverência. Não à toa um dos santos mais à mostra nas tais residências era São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro.
   
    Abaixo, uma foto atual de uma casa, em Campo Grande, localidade denominada Corcundinha, que ainda conserva essa época.
 Foto. Fonte: Carlos Eduardo de Souza.

    Atualmente, com o avanço de outras religiões, principalmente do protestantismo, não é mais comum encontrar essas imagens nas residências, principalmente em novas habitações, sobrando apenas algumas resistentes e fiéis ao passado.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A passagem do tempo no bairro de Campo Grande

    Com algumas prováveis datas de fundação ou surgimento, o bairro de Campo Grande passou de uma área tipicamente rural, até meados do século XX, para uma região marcada por um comércio forte, variedade de serviços, empreendimentos, construções e, consequentemente, trânsito caótico.
    Alguns apontam o ano de 1603 como o de "fundação" do bairro, devido a distribuições de sesmarias; outros, o ano de 1673, devido à criação da capela do Desterro, ainda em terras do atual bairro de Bangu; e outros apontam 1757 como o ano de criação da Freguesia de Nossa senhora do Desterro de Campo Grande, dando início ao bairro. Não se tem uma conclusão sobre o assunto.
    Em 1878, a estação de trem de Campo Grande foi inaugurada, passando a ligar o bairro a outras partes da cidade. Logo em seguida vieram os bondes. Em 1894, foram instaladas linhas de bondes de tração animal, ligando Campo Grande a Guaratiba, com, a princípio, a finalidade de transportar capim para os burros da empresa que recebera concessão para a instalação das linhas de bondes. Devido à solicitação de moradores, o transporte se estendeu aos passageiros. Em 1915, a tração animal foi substituída pela elétrica. Ainda em termos de transporte, mais tarde Campo Grande  presenciaria o surgimento das chamadas Lotações.




                     

    Acima, primeira imagem. Vagão remanescente dos bondes. Fonte: Jornal Zona Oeste Especial, 1998)
    Segunda foto. Lotação do sub bairro Magali, em Campo Grande. Fonte: Face Malu Ravagnani.

    Voltando um pouco, em 1883 foi inaugurado o abastecimento de água em Campo Grande. O mesmo melhorou com a inauguração do reservatório Victor Konder, no Morro do Barata, em 1928. É bom lembrar que antes, a população da região se abastecia no "Arraial da Matriz", o poço Nossa Senhora do Desterro, junto à igreja principal. Já a luz elétrica foi fornecida às casas campograndenses por volta de 1917, com a iluminação pública sendo inaugurada em 1919.
    Percebe-se que entre o final do século XIX e início do século XX, a região começa a receber melhorias e transformações em vários aspectos, que alteram o perfil da localidade e de sua população. Só pra ressaltar, Campo Grande, até aproximadamente 1908, era um povoado simples, com alguns caminhos e estradas de terras batidas, com os principais caminhos só sendo reconhecidos pelo município a partir de 30 de outubro de 1917.
    Abaixo encontra-se uma planta do bairro do ano de 1906, com Campo Grande começando a buscar uma estruturação que atendesse o aumento de sua população e do comércio.
Fonte: prefeitura do Distrito Federal, Censo, 1906.

Números da planta: 1: Estação ferroviária Central do Brasil.
                                 2: Rua Coronel Agostinho (atual calçadão de Campo Grande)
                                 3: Estrada de Santa Cruz (mais tarde Avenida Cesário de Melo)
                                 4: Rua Marcolina
                                 5: Estrada Rio do A
                                 6: Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro

    Abaixo, primeira estação de trem de Campo Grande, construída logo que foi criado o ramal para o Curato de Santa Cruz, inaugurada em 2 de dezembro de 1878. Se observarmos bem, é possível perceber, à esquerda, a antiga passagem de nível que ligava a Rua Barcelos Domingos à Praça 3 de Maio, atual Praça Raul Boaventura.
Fonte: Jornal Zona Oeste, Edição Especial, n°857, 1992. Retirada do livro "Rumo ao campo Grande por trilhas e caminhos", de José Nazareth de Souza Fróes e Odaléa Ranauro Enseñat Gelabert. Rio de Janeiro - 2005.

    Já na década de 1920, o bairro entraria no "período" das laranjas, sendo uma das maiores regiões produtoras da fruta em todo o estado do Rio. Porém, com o fim do ciclo das laranjas, praticamente na metade do século XX, Campo Grande inicia uma relevante metamorfose em sua estrutura. 
    Em 1963 é inaugurado o Mercado São Brás (grafia da época), atuando inicialmente como uma feira, e mais tarde tomando uma forma mais comercial. Em 1976 foi inaugurado o Calçadão de Campo Grande, na Rua Coronel Agostinho, fazendo do local o centro econômico e comercial de Campo Grande. Voltando à década de 1960, a Avenida Brasil chegaria à região, ao mesmo tempo que surgiam também grandes loteamentos no lugar das plantações, e uma certa orientação do governo em "promover" o aumento populacional da Zona Oeste, porém sem infraestrutura na mesma proporção. Isso tudo ajudou na alteração do perfil da região.
    Daí em diante vieram as indústrias, destacando-se o Distrito Industrial de Campo Grande, criado em 1975; os bancos, as faculdades, entre outros serviços e, já no século XXI, o aumento considerável dos empreendimentos, habitações e prédios comerciais e de serviços, além de um espantoso surgimento de inúmeros estacionamentos, com alguns, inclusive, substituindo importantes instituições, como é o caso do extinto Colégio Belisário dos Santos, na Rua Augusto Vasconcelos.
Fonte: Internet

     E assim Campo Grande continua seu processo de evolução (transformação) espacial, econômica e populacional, com algumas coisas indo (Luso Brasileiro, na estrada do Campinho, por exemplo) e outras chegando (condomínios, em seu lugar), concluindo que o espaço é dinâmico, tendo relação direta com a sociedade, sendo assim um produto social, resultado de ações acumuladas através dos tempos, e engendradas por agentes que produzem e consomem o espaço.

Fontes pesquisadas:
SOUZA, Carlos Eduardo. "A evolução econômica e populacional de Campo Grande - Século XX". Rio de Janeiro. Edital. 2015, 1° edição.
FRÓES, José Nazareth, GELABERT, Odaléa Ranauro. "Rumo ao Campo Grande por trilhas e caminhos. Rio de Janeiro. 2004.

               

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Um Campo Grande ainda ao longe

    Campo Grande, bairro mais populoso do Rio de Janeiro, já foi conhecido como área agrícola, Zona Rural, parte do então Sertão Carioca. O bairro já abrigou engenhos de açúcar, grandes produções de laranjas, alguns outros produtos e, segundo alguns historiadores, a região também foi gênese do famoso ciclo do café no Brasil, iniciado, segundo os mesmos, no Mendanha.
    Porém, principalmente a partir de meados do século XX, a região começou a mudar, de forma relevante, suas paisagem e dinâmica. De área tipicamente rural, o bairro da Zona Oeste transformou-se em área urbana (ou suburbana) em expansão, após o crescimento do comércio e dos serviços, e a chegada das indústrias. Atualmente, o que predominam no bairro são os prédios, construções, lojas, trânsito, ou seja, características que não remetem mais ao rural.
    Entretanto, em alguns pontos do bairro ainda é possível presenciar importantes bolsões agrícolas, como as regiões do Rio da Prata, do Mendanha e da Serrinha. Nesta última localidade, próxima ao Mendanha, e ao mesmo tempo perto da Avenida Brasil, parece que o tempo parou. A paisagem, em sua maior parte, lembra o passado agrícola do bairro, com vastas plantações e vegetação presentes. Algumas residências ainda têm como características terrenos extensos, abrigando mais de uma casa, praticamente sem (ou com fina) cerca, separando a vizinhança, com plantações e árvores variadas presentes e espalhadas pelo grande quintal.
    Pouco se vê condução, e ao mesmo tempo percebe-se alguns hábitos de certos moradores, remetendo a tempos passados, como a forma de falar e tratar as pessoas. E é claro que, como característica de "interior", não pode faltar uma igreja católica. Nesse caso, encontra-se a Igreja Nossa Senhora da Paz. Nota-se também no costume das pessoas em referir-se ao centro do bairro como "Vou ali em Campo Grande", como se só o centro representa-se o bairro. Na verdade, isso se estende para o centro do município do Rio, quando as pessoas mais afastadas, incluindo quem mora em Campo Grande, ainda dizem: "Vou lá na cidade resolver um problema", como se Campo Grande não pertencesse ao Rio de Janeiro. São como resquícios da época de Zona Rural.
    Assim, conclui-se que algumas partes de Campo Grande ainda são "ilhas", "a milhas e milhas de qualquer lugar", e estando ainda "longe demais das capitais".

    Abaixo, imagens da Serrinha, tiradas de dentro de uma residência do local
   


Fotos. Créditos: Carlos Eduardo de Souza.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

A "fundação" de Campo Grande

    O bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, festeja seu aniversário no mês de novembro, com base numa data das primeiras doações de sesmarias (grandes propriedades fundiárias, cedidas pelos reis de Portugal a certos povoadores). Com isso, o aniversário de fundação do bairro de Campo Grande segue uma manchete estampada em um periódico tradicional da região: "Senhores campograndenses, Campo Grande, a luz meridiana, teve sua fundação em 17 de novembro de 1603".
    Mas Campo Grande foi realmente fundado? Há fontes históricas que afirmam que não, pois estas constam que o bairro foi se formando, constituindo, por um longo período, terras de algumas sesmarias da região, até tornar-se o bairro atual, com seus devidos limites.
    Segundo documentos oficiais, em dia 06 de junho de 1569, João de Bastos e Gonçalo D'Aguiar receberam uma doação de um pequeno monte de Jerissinonga (Gericinó). Assim, possivelmente a partir dessa data, a região do Campo Grande começou a ser habitada. Mais tarde, devido à crescente expansão territorial e o aumento da população do Rio de Janeiro, surgiram novas freguesias (divisão territorial predominante no Brasil durante os períodos colonial e do império, consistindo em uma área vinculada à uma paróquia e adjacências), com a de Campo Grande sendo criada em 1673, com a construção da Capela do Desterro em terras do atual bairro de Bangu.
    Ainda assim, com relação à data da criação da Freguesia de Campo Grande, a Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande (resumida hoje a uma Paróquia localizada no centro comercial e econômico do bairro), existem algumas divergências entre os historiadores e pesquisadores. Alguns afirmam que na época não havia paróquia no local, e que somente em 12 de janeiro de 1757 é que foi concedido o alvará, que é o título de criação de uma freguesia.
    Seguindo estes raciocínios, realmente não dá para afirmar que Campo Grande foi "fundado" em 17 de novembro de 1603, já que vê-se no texto outros fundamentos que podem comprovar também o "nascimento" do bairro, como a construção da Capela do Desterro em 1673 e o alvará da criação de uma freguesia em 1757. Porém, ter uma data para comemorar um aniversário não traz nenhum problema, pelo contrário, só constata que o bairro celebra mais um ano de história, com suas transformações atingindo diretamente sua população. Então: "PARABÉNS, CAMPO GRANDE!"

Imagem. Fonte: Cartão Postal, Edições Ambrosiana.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Os impactos de um supermercado em Campo Grande

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  Foto: Aline Xavier
     
     É fato que o espaço em que vivemos sofre modificações com o passar do tempo. E com as modificações, alguns impactos (positivos e negativos) surgem, transformando paisagens, trânsito, modo de viver da população, entre outros.
    Um exemplo recente no bairro de Campo Grande diz respeito a inauguração de outro Supermercado Guanabara na região (o mais antigo localiza-se no centro do bairro). O mais novo, inaugurado este ano, encontra-se entre a estrada Rio do A e a Rua Victor Alves. Com a construção e posteriormente inauguração do supermercado, algumas alterações relevantes foram presenciadas nesse trecho de Campo Grande, como por exemplo, modificações no  sentido do trânsito da já citada Victor Alves; abertura em um ponto da estrada Rio do A, "atravessando-a"; placas indicando, além do Guanabara, outros locais de acesso do bairro a outras localidades; colocação de semáforos, além de todo um trânsito controlado por agentes em torno do supermercado. Ou seja, toda uma estrutura foi articulada devido à presença desse novo estabelecimento.
    Parte disso impacta diretamente no já caótico trânsito do bairro, principalmente na estrada Rio do A, que há tempos recebe um grande fluxo de veículos, oriundos, em boa parte, da estrada do Mendanha (onde localiza-se um dos shoppings do bairro, o West Shopping) em direção ao Viaduto Alim Pedro.
   Com relação à Rua Victor Alves, uma considerável retenção já é notada após a inauguração do supermercado, indo até à antiga estrada Rio-São Paulo, a qual é atravessada pela já citada rua. É bom salientar que a rua tem uma importância geográfica por “começar” no centro de Campo Grande e “ir” para outra parte do bairro. Além de abrigar o tradicional teatro Arthur Azevedo, a mesma tem a presença de uma diversidade religiosa, abrigando, em seu percurso, uma igreja evangélica, a Paróquia Bom Pastor e o Centro Espírita Luz e verdade.
     Uma curiosidade sobre a Rua Victor Alves é que a mesma homenageia o advogado, escritor e jornalista de nome citado, membro da academia carioca de letras. Nascido em Guaratiba, em 1894, filho de lavradores, este era maçom e seguia o pensamento positivista (ordem e progresso), além de escrever para alguns jornais e revistas (destacando “O Triângulo”, jornal que fazia referência a uma região formada por três bairros importantes do então sertão carioca: Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba), vindo a falecer com apenas 39 anos, em 1934, vítima de tifo. 
    E assim, Campo Grande continua seu caminho de evolução (não necessariamente positivo ou negativo, e nem sempre com ordem, mas com relativo progresso), testemunhando modificações importantes em seu espaço abrangente.